Day Trade: Evidências Estatísticas de um Mito Persistente
Mais de uma década de dados confirma: o day trade não é habilidade, é transferência de renda
1. O consenso empírico: perder é o padrão
Desde 2020, estudos conduzidos pela Escola de Economia de São Paulo da FGV vêm quantificando o desempenho real dos indivíduos que tentam viver de day trade no Brasil.
O primeiro estudo, publicado na Revista Brasileira de Finanças sob o título “É possível viver de day trade em ações?” (Chague e Giovannetti, 2020), analisou 98.378 pessoas que iniciaram operações entre 2013 e 2016.
O resultado foi inequívoco: apenas 127 indivíduos — o equivalente a 0,1% da amostra — conseguiram apresentar lucro médio diário superior a R$ 100 por mais de 300 pregões. Mesmo entre esses poucos casos, os ganhos eram baixos diante do risco envolvido.
Cinco anos depois, os mesmos autores ampliaram o escopo para incluir o mercado futuro entre 2017 e 2023.
O novo artigo, “As pandemias de COVID-19 e de day trade no Brasil” (Chague e Giovannetti, 2025), mostra que 968.512 pessoas físicas realizaram operações de day trade nesse período, acumulando R$ 9,9 bilhões em perdas brutas e encerrando 96% dos dias com resultado negativo.
Dois períodos distintos, duas bases de dados diferentes e uma mesma conclusão: o varejo perde sistematicamente no day trade, independentemente do contexto econômico.
2. Estrutura de jogo de soma negativa
O day trade não é apenas arriscado; ele é estruturalmente inviável para o investidor de varejo.
Embora, em teoria, o mercado seja um jogo de soma zero — em que o ganho de um corresponde à perda de outro —, na prática o day trade é um jogo de soma negativa, em razão de quatro fatores:
Custos de transação: corretagens, emolumentos, taxas de liquidação e tributos corroem qualquer ganho eventual.
Diferenças de infraestrutura: instituições operam com algoritmos de alta frequência, co-location e execução automática, enquanto o varejo enfrenta atrasos e limitações tecnológicas.
Assimetria informacional: o investidor individual negocia sem acesso à profundidade real do livro de ordens e sem capacidade analítica comparável.
Viés comportamental: decisões impulsivas e reativas substituem o método, convertendo ruído em ação.
Em outras palavras, o investidor de varejo não disputa vantagem estatística — ele fornece liquidez para quem a detém.
3. Perfil das perdas: um retrato transversal da sociedade
O estudo de 2025 demonstra que o day trade não é um fenômeno restrito a iniciantes ou desinformados, mas um comportamento que atravessa classes sociais e níveis de escolaridade.
As perdas médias variaram de R$ 2,7 mil entre porteiros a R$ 34,9 mil entre médicos.
Empresários, engenheiros, aposentados e estudantes também apresentaram resultados negativos.
O padrão é claro: quanto maior o capital disponível, maior o prejuízo absoluto; quanto menor a renda, maior o impacto relativo.
A ilusão do day trade conseguiu o improvável — uniformizar a perda financeira entre perfis opostos.
4. O mito da habilidade e a persistência da ilusão
A adesão ao day trade é sustentada por uma combinação de viés cognitivo e incentivo econômico.
O chamado overconfidence bias leva o indivíduo a superestimar sua própria capacidade e a atribuir resultados negativos ao acaso.
Esse viés é reforçado por:
Ganhos iniciais que geram falsa sensação de aprendizado;
Plataformas que gamificam o risco, transformando especulação em entretenimento;
Narrativas publicitárias que promovem o “1% que consegue”, ignorando a estatística.
A consequência é a mesma observada nos dois estudos da FGV: um fluxo contínuo de transferência de riqueza das pessoas físicas para as instituições financeiras.
5. Conclusão: a estatística substitui a crença
Os estudos de 2020 e 2025 chegam a um mesmo diagnóstico com dados separados por uma década:
o day trade não é uma via de enriquecimento, mas um fenômeno de redistribuição negativa de renda.
O problema não é de ignorância técnica, e sim de estrutura de incentivos.
Corretoras e plataformas lucram com o giro; o investidor acredita que está aprendendo, mas está apenas pagando para jogar um jogo matematicamente desfavorável.
A verdadeira construção de riqueza não vem de velocidade, mas de consistência, tempo e acúmulo produtivo.
O day trade é a antítese disso — uma tentativa de monetizar o acaso.
Referências
Chague, F. & Giovannetti, B. (2020). É possível viver de day trade em ações? Revista Brasileira de Finanças, 18(3), 1–4.
Chague, F. & Giovannetti, B. (2025). As pandemias de COVID-19 e de day trade no Brasil. Revista Brasileira de Finanças, 23, e202515.
Nota editorial — MoneyPlay
A comunidade MoneyPlay defende que investir é uma atividade de longo prazo, fundamentada em dados, propósito e coerência.
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