O Brasileiro Diz que Investe para Aposentadoria. Mas Se Comporta Como Quem Busca Emoção.
Por que a maior pesquisa da CVM revela uma contradição profunda no investidor brasileiro — e como isso compromete a construção de patrimônio no longo prazo
O investidor brasileiro vive um paradoxo curioso.
Quando responde formulários de perfil, quando conversa sobre dinheiro e quando descreve seus objetivos, ele se coloca como alguém disciplinado, racional, consciente.
Quase sempre aparece um discurso responsável: “invisto para o futuro”, “penso na aposentadoria”, “quero estabilidade lá na frente”.
Mas quando observamos as decisões práticas — os ativos que compra, a velocidade com que gira a carteira, a maneira como reage a quedas — vemos outra coisa: impulsividade, emocionalismo e busca por validação rápida.
A maior pesquisa recente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), com mais de 1.300 investidores brasileiros, só confirmou essa contradição.¹
O objetivo número um da maioria absoluta?
Formar uma reserva para a aposentadoria.
Isso vale para arrojados, moderados e conservadores.
Mas, ao mesmo tempo, 52% dos respondentes se classificam como arrojados — o maior percentual já registrado.
A questão é inevitável:
por que um país que deseja segurança no futuro se comporta como quem busca adrenalina no presente?
1. O Rótulo Arrojado Virou Identidade, Não Estratégia
No Brasil, declarar-se arrojado virou sinal de inteligência financeira, coragem e sofisticação.
É como se admitir perfil moderado fosse confessar fraqueza.
Como se assumir conservador fosse quase uma derrota moral.
Assim, “perfil arrojado” virou uma identidade — não um diagnóstico.
Mas ser arrojado de verdade exige três elementos:
estrutura patrimonial para aguentar volatilidade,
conhecimento técnico para entender riscos,
disciplina emocional para não vender no susto.
E a maior parte dos investidores brasileiros não tem esse tripé.
A pesquisa mostra que o investidor até entende conceitos básicos, mas não domina temas fundamentais, como impacto de juros sobre renda fixa, marcação a mercado ou duração dos títulos.¹
Ou seja: não domina nem o que um conservador deveria dominar.
Declarar-se arrojado sem isso não é ousadia — é exposição gratuita.
2. O Objetivo É Aposentadoria. O Comportamento É Aposta.
Os números são claros:
76% dos arrojados querem aposentadoria
68% dos moderados querem aposentadoria
63% dos conservadores querem aposentadoria
É o maior consenso financeiro do país.
Mas quando observamos o comportamento:
compra por hype,
giro constante da carteira,
busca por “oportunidade quente”,
tentativa de acertar macro,
exposição a ativos que não compreende,
necessidade de retorno rápido…
…vemos exatamente o oposto do que um plano de aposentadoria exige.
O investidor diz que joga um jogo de 25 anos,
mas se comporta como se estivesse numa partida de 25 dias.
Esse desalinhamento custa caro.
Porque quem investe para estabilidade precisa de previsibilidade — não de adrenalina.
Buscando acelerar a aposentadoria, muitos acabam atrasando.
3. O Brasileiro Acredita Estar Mais Preparado Do Que Realmente Está
Outro dado da pesquisa da CVM chama atenção:
86% afirmam estar preparados para lidar com imprevistos financeiros.¹
É um número impressionante — mas não compatível com a realidade do país, onde milhões não têm reserva de emergência e dependem de crédito caro para enfrentar situações inesperadas.
Esse abismo entre percepção e realidade gera um dos maiores inimigos da construção de patrimônio:
o excesso de confiança.
Quando alguém acredita que está preparado, mas não está:
assume risco demais,
investe no que não entende,
confia demais em timing,
subestima volatilidade,
superestima seu emocional.
A pessoa não é arrojada — ela apenas acha que é.
E quem acha que é arrojado sem ser…
sofre quando o mercado mostra a realidade.
4. O Problema do Brasil Não É Risco. É Coerência.
Essa é a conclusão mais importante.
O investidor brasileiro não compromete sua aposentadoria porque arrisca demais.
Ele compromete porque arrisca de modo incoerente com o próprio objetivo.
O problema não é correr riscos.
É correr riscos por impulso, sem método, sem estrutura e sem propósito.
O problema não é volatilidade.
É desconhecer como ela funciona.
O problema não é ter ações.
É girar ações.
O problema não é investir em IPCA+ longo.
É vender no primeiro susto.
O problema não é querer multiplicar o patrimônio.
É querer multiplicar rápido demais — e pagar o preço depois.
Essa incoerência entre comportamento e objetivo é o que impede a construção de riqueza de longo prazo.
5. Aposentadoria Se Constrói Com Uma Coisa Só: Previsibilidade
Quem realmente acumula patrimônio suficiente para a aposentadoria não tem comportamento agressivo.
Tem comportamento metódico.
As características desse investidor são sempre as mesmas:
Aportes frequentes
Consistência
Baixa rotatividade
Ativos simples
Entendimento profundo da carteira
Ausência de pressa
Nenhum interesse em hype
Estratégia escrita e seguida
É a disciplina, não a audácia, que constrói estabilidade futura.
O Brasil busca segurança futura, mas opera insegurança presente.
Enquanto esse desalinhamento existir, a aposentadoria será sempre um sonho distante — não um plano concreto.
6. A Grande Virada: Alinhar Objetivo e Comportamento
Antes de escolher ativos, o investidor brasileiro precisa resolver um conflito interno:
o que ele quer e como ele age precisam finalmente conversar.
Só assim a aposentadoria deixa de ser uma intenção e vira uma estrutura real.
O caminho não é surpreendente.
Nem glamouroso.
Nem emocionante.
Mas é eficaz:
patrimônio base forte (Tesouro Selic / liquidez real)
continuidade (aportes mesmo em queda)
diversificação racional (sem loteria)
ações que geram caixa
exposição ao risco que você pode sustentar
zero aposta emocional
máximo de previsibilidade no método
É assim que se acumula.
É assim que se protege.
É assim que se aposenta.
E é exatamente isso que poucos fazem.
Conclusão
A pesquisa da CVM apenas quantifica aquilo que o mercado já percebia:
o brasileiro tem discurso de aposentadoria, mas comportamento de curto prazo.
Ele quer estabilidade futura, mas vive instabilidade presente.
Ele sonha com consistência, mas pratica impulsividade.
Ele deseja construir patrimônio, mas opera como se buscasse emoção.
A diferença entre quem chega à aposentadoria com tranquilidade e quem chega com preocupações não está no ativo escolhido, na ousadia assumida ou na inteligência financeira declarada.
Está em uma única palavra: coerência.
Aposentadoria é sobre alinhar intenção e ação.
Quando isso acontece, o patrimônio cresce.
Quando não acontece, o patrimônio evapora.
Referências
Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Pesquisa “Perfil e Comportamento dos Investidores 2024”. Publicada em 16/09/2025.


